Vincent Gallo é Billy Brown em Buffalo 66.
Billy tem pais disfuncionais que quer impressionar a todo o custo e um amigo que serve o único propósito de confessor do protagonista. Billy tem também um olhar quase sempre vazio de emoção, toldado pelo objectivo máximo de uma vingança que deveria culminar com mortes: a do antigo jogador de futebol americano, que lhe provocou a desgraça financeira através de aposta perdida, e também a sua. Billy é um recluso acabado de sair da prisão, que rapta Layla para pousar como sua mulher frente aos pais neuróticos que o julgam casado e bem na vida.
Christina Ricci é Layla, uma jovem roubada de repente às aulas de dança, que traja um baby doll azul bebé durante todo o filme e sapatos de sapateado a condizer. (E que tem direito a um momento inóspito e hipnotizante em que mostra os seus dotes de sapateado entre um fade in e um fade out, em jeito de intervalo a meio do enredo.)
Claro que se esperava ver surgir uma faísca romântica entre Billy e Layla. As duas personagens de olhos grandes… Os dele, azuis e inertes, brilhando apenas com os pensamentos obstinados de vingança. Os dela, esverdeados de esperança, a transbordar de afecto. Claro que eu esperava este momento mas, como me acontece demasiadas vezes, adormeci algures entre a cena catártica da vingança e os créditos. Assumi que o filme terminava mal, cumprindo-se o desejo de morte. À segunda tentativa, porém, percebi que o essencial estava precisamente entre a vingança – afinal imaginada e nunca concretizada – e os créditos.
Eis que uma lufada de felicidade rompe o sentimento de estranheza e descrença nesta humanidade fictícia que, pensava eu, havia preferido o sangue ao azul bebé.
De repente, um tipo macambúzio que não sorri durante todo o filme dá gorjetas só porque sim e oferece bolachas em forma de coração a namoradas de desconhecidos inertes sentados em coffee shops. Billy desiste da morte, atira a arma para o escuro da noite e junta-se a Layla no quarto de hotel.
Guess what? Guess what happened today? I got a girl. I got a girl. There is a girl who loves me.
Vincent Gallo ilude o espectador com os seus grandes olhos azuis, como protagonista e realizador de Buffalo 66. É ainda compositor da banda sonora do filme (e músico noutras vidas), com faixas folk a combinar com o registo geral depressivo.
Vincent Gallo é autor de Buffalo 66, que se tornou de imediato um dos favoritos na lista dos 30 antes dos 30, apesar de ainda agora estar a começar. Uma lista onde agora tem de estar também The Brown Bunny (2003), outra produção de Gallo. Antevejo mais momentos de esperança súbita a esbater o cinzento da vida.
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