Um millennial vai aos correios: uma experiência social

Os amigos e o Pedro Andersson recomendaram e o millennial confiou: está na hora de investir em certificados de aforro a boa quantia que amealhou no seu trabalho duro na consultora.

Quase desistiu ao primeiro entrave. Como assim, não é possível agendar uma call com os CTT? Não pode, pelo menos, marcar uma hora para ser atendido? Nem tirar uma senha virtual?

Contrariado mas confiante, dirige-se ao balcão dos correios no horário que lhe é mais conveniente, o de almoço, até porque 1 hora chegará perfeitamente para comer, comprar certificados de aforro e voltar para o seu escritório em casa.

Em 45 minutos de espera, o millennial perde a fé na humanidade, aplica metodologias várias para perceber onde avaliou mal as escolhas que o levaram até ali e abre uma nova conversa de grupo no Whatsapp para partilhar a experiência com os amigos.

Quando chamam a sua senha, rejubila de uma alegria com a dona Goreti acaba depressa.

Como assim, é preciso levar Cartão de Cidadão para comprar certificados de aforro? Navegou, navegou e não encontrou a lista completa da documentação necessária. Começam a escorrer-lhe gotas de suor pelas têmporas quando pensa na solução: se é um comprovativo de morada fiscal que é preciso, vai descarregar um documento ao Portal das Finanças. Só quando mostra o telemóvel ao outro lado da barricada, a funcionária lhe comunica que não pode ser.

Como não pode ser? É um documento com a sua morada fiscal e o seu nome. Maior prova não pode haver, mas o IGCP não aceita.

E se for o passaporte, tenta de novo. Perfeito, aceitam-se passaportes e até calha ter uma cópia guardada no telemóvel.

Goreti vai telefonar aos serviços a confirmar, mas, no regresso, traz uma expressão pesarosa.

São muito maltratados pelos serviços. O millennial não sabe porque não é frequentador habitual do balcão, mas está prestes a ouvir a lengalenga sobre os abusos que os funcionários dos correios sofrem e que fazem questão de partilhar com todos os utentes. Utentes, porque este ainda é um modelo de serviço público. Não se consegue contratar os novos, justifica a funcionária. Sim, talvez todos os problemas fossem magicamente resolvidos com uma vaga de contratações, uma avalanche de millennials que soubesse falar esta língua estrangeira.

Afinal, a cópia do passaporte não pode ser, tem de mostrar o documento original.

Desesperado, o millennial questiona as regras. Não faz sentido, repete, como que a convencer-se e a convencer a senhora que o atende e que lhe devolve um encolher de ombros calibrado com 30 anos de experiência. Resigna-se perante a única solução. Deixa a esposa a ser atendida enquanto corre até casa. São 10 minutos de distância, finge a esposa com conversa fiada, sabendo todos os intervenientes desta cena que aqueles 10 minutos são, na verdade, uma distância para coisa de 30. E os correios cada vez mais cheios. E as senhas que não passam. E os millennials que se acumulam, bufando como se fossem levantar voo a qualquer momento.

O millennial regressa, entrega os documentos, escreve os dados nos papéis que deviam estar já pré-preenchidos com a informação providenciada pelo Cartão de Cidadão. Não faz sentido!

Mais 10 minutos guardados para discutir a política de privacidade. Dona Goreti, tem a certeza de que não vão contactá-lo sem necessidade? Por que é que tem de preencher aquela cruz, ele não quer ser contactado em caso algum! Mas tem mesmo a certeza? Se há coisa que o millennial abomina é spam e violação dos seus dados pessoais, todos guardados na cloud.

Quase pronto a entregar os juros previstos para sair daquela situação, o millennial pergunta como pode aceder à sua nova conta de aforrista. Tem de pedir uma senha e a senha vai para casa. É a gota que faltava para fazer transbordar o copo do millennial. Excedeu a sua capacidade para experiências analógicas, mas, em contrapartida, tem material para inúmeros tweets, conversa para jantares com amigos e um trauma para levar ao psicólogo.