Clareza a decreto: viabiliza, não viabiliza e só viabiliza se o outro viabilizar

Pedro Nuno Santos e Luís Montenegro no último debate para as eleições à Assembleia da República de 2024, com foco no tema da "morosidade" da justiça
Pedro Nuno Santos e Luís Montenegro no último debate para as eleições à Assembleia da República de 2024

Desde segunda-feira que não se fala de outra coisa: o que é que vai acontecer no dia 11 de março?

Enquanto Inês Sousa Real continua, poética, a pedir uma bonita madrugada, Pedro Nuno Santos desdobra-se em contradições e Luís Montenegro não consegue convencer ninguém de que já respondeu ao tema quente da semana.

Pedro Nuno Santos quer saber o que é que o PSD vai fazer depois das eleições. Irónico, vindo do negociador da geringonça. E desagradável, acho eu, porque estes spoilers tiram graça à campanha. Andamos quase todos aflitos para saber se vamos recuar 50 anos no tempo ou não. E o que é a vida sem o fantasma do fascismo?

Mas os partidos decidiram explicar o que vão fazer. E, no último debate de candidatos a primeiro-ministro, quiseram tornar claras as suas posições. Como que a decreto, para dizer – agora é que vou ser claro.

E ali ficaram mais de uma hora a atirar clareza às caras uns dos outros.

Começa Pedro Nuno.

“A posição do PS é mais clara do que aquilo que fizeram crer os comentários ao longo destes últimos dias.”

“O PS:

  • governará se ganhar com maioria absoluta,
  • governará se ganhar com maioria relativa, mas conseguir encontrar maioria absoluta parlamentar nomeadamente à esquerda,
  • governará se, ficando em segundo, conseguir também construir uma maioria parlamentar à esquerda no Parlamento,
  • governará se ganhar as eleições um quadro de maioria de direita se, tendo o PSD… não inviabilizando… não inviabilizar um governo do PS,
  • não governará se ficar em segundo num quadro de maioria de direita.”

Quem conseguir interpretar estas contas, que me explique, por favor, que eu não tenho estudos para isto.

Rui Rocha tem “uma posição simples e uma posição clara: simples, porque se diferencia da posição que tem tido quer Pedro Nuno Santos, quer André Ventura, que muda ao longo do tempo; e clara, diferenciando-se da posição de Luís Montenegro, que não foi ainda capaz de pronunciar a sua posição relativamente a determinados cenários”.

Resumindo, a posição de Rui Rocha não é a de Pedro Nuno, não é a de André Ventura e não é a de Luís Montenegro.

“Para o PAN, é muito claro”, afirma Inês Sousa Real: “a nossa coligação é precisamente com os portugueses, com as causas que representamos”.

Rui Tavares, recorde-se, era quem mais defendia a matemática parlamentar. Agora, não perde uma oportunidade para dar uma ferroada no seu inimigo número 1: “há à esquerda quem admita negociar para sustentar uma governação, há na direita democrática quem o entenda fazer e tenha anunciado publicamente (…), e depois há o Chega, com quem ninguém até agora declarou que viesse a fazer uma maioria de governo”.


Entre a morosidade e a celeridade da justiça

Só Paulo Raimundo chamou a atenção de que se estava a focar demasiado na forma e a faltar atenção ao conteúdo. Até porque ele tinha os conteúdos todos preparados, qualquer que fosse a pergunta de Carlos Daniel, e queria usá-los.

Saúde? Baixos salários.

Justiça? Baixos salários.

Mérito a Paulo Raimundo, que disse a frase mais simples do debate:

“As pessoas, sem dinheiro no bolso, não podem comprar.”

Paulo Raimundo

Sem clareza a decreto sem ideias redondas.

E ali andaram os colegas de painel:

  • Luís Montenegro, entre a morosidade e a celeridade, em vez da lentidão e da rapidez da justiça,
  • Inês Sousa Real falando nos concidadãos, em vez de nas pessoas,
  • Mariana Mortágua sempre pronta a atacar os offshores, esses paraísos fiscais,
  • Rui Tavares entre a harmonia laboral e social,
  • e até Carlos Daniel quis saber se a relação entre políticos e justiça era sadia.

Não sei se as pessoas entenderam menos o conteúdo pela falta de clareza dos líderes políticos ou pelo balbuciar constante de Pedro Nuno, por trás das respostas de todos, como se fosse aquele aluno a destabilizar todos os outros, sentado no fundo da sala.


A linguagem clara permite às pessoas, a quem a se dirige, encontrarem, compreenderem e usarem essa informação.

Estas pessoas somos todos nós, que vamos usar a informação que os partidos nos dão para votar, no dia 10 de março.

Sempre que os partidos usam linguagem complexa e artifícios retóricos densos afastam as pessoas da política e tornam a democracia uma coisa distante.

Nos 50 anos do 25 de Abril, não deixa de ser triste que saia tão pouca informação útil de um debate entre figuras políticas com tanto para nos dizer.

É que a linguagem clara não é só uma moda, não é uma ferramenta que fica bem. É de lei.

Na sua comunicação, a Administração Pública deve garantir que:

“Na redação dos documentos, designadamente de formulários, ofícios, minutas de requerimentos, avisos, convocatórias, certidões e declarações, em especial na comunicação com os cidadãos, deve usar-se linguagem simples, clara, concisa e significativa, sem siglas, termos técnicos ou expressões reverenciais ou intimidatórias.”

Artigo 16.º do Decreto-Lei n.º 135/99, de 22 de Abril

Estendo a recomendação de como escrever na Administração Pública a todos estes líderes políticos que dela querem fazer parte – ajudando a construí-la ao serviço das pessoas.

Não nos falem nos logros do IRC, nos remoques de consciência, na externalização da saúde pública.

Porque “as pessoas, sem dinheiro no bolso, não podem comprar”. E é isso que interessa.