Vemo-la também mais perturbada ao saber que está a ser vigiada do que quando diz a um batalhão de jornalistas que a sua filha morreu com apenas dois dias de vida, depois de uma gravidez aterrorizada por rumores sobre a paternidade da criança, lançados pelo FBI. E há um momento, perto do fim, em que ficamos mais abalados pela sensação de impotência do que pela expressão (impávida) de Kristen Stewart, que quase passa por auto-controlo de Jean, misturado com conformismo, álcool e comprimidos.
A interpretação até pode ser o que mais fica na memória, mas não é memorável. É somente o fator-estrela que traz alguma atenção a “Seberg – Contra Todos os Inimigos”. O cabelo curto loiro que a caracterização copia com mérito não é suficiente para carregar às costas todo um filme, ainda que seja um elemento chave na cena em que Jean desce do avião (vestido amarelo, com bainha à anos 60), antes de se juntar aos ativistas liderados por Hakim, de punho em riste, para uma boa oportunidade fotográfica.
O espírito militante dos argumentistas justifica ainda a existência de Jack Solomon (Jack O’Connell), agente especializado em escutas que toma conta da vigilância, encaminhado para a redenção quando lhe começam a parecer excessivas as manobras de intimidação para que a atriz interrompesse o financiamento a organizações como o Black Panther Party.
A narrativa dispensava esta evidência, mas os argumentistas insistem na polarização: de um lado, temos o FBI, que persegue, mente, intimida; do outro, uma mulher que merecia ser vista como mais do que uma vítima.
“Seberg – Contra Todos os Inimigos” não quer ser “biopic”, mas sim um excerto de uma vida, ao jeito de “Judy” (2019), que recentemente valeu o Óscar a Renée Zellweger. Se assim é, porquê começar com uma réplica da cena de “Santa Joana” (1957), em que Jean interpreta Joana d’Arc, uma experiência com o tirano cineasta Otto Preminger que a traumatizou para a vida? É certo que a vemos referir-se às cicatrizes das queimaduras, mas nem Kristen Stewart nem o realizador fazem dessa uma experiência com impacto visível na protagonista.
“Seberg – Contra Todos os Inimigos” tem o coração no sítio certo, mas fica longe de ser uma grande homenagem à estrela que Godard fez nascer no cinema francês.

“Seberg – Contra Todos os Inimigos”: nos cinemas a 20 de fevereiro.
Crítica publicada em Sapo Mag
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