A renovação depois do colapso

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Convencemo-nos de que estamos sempre do lado certo da História porque somos os heróis da nossa própria narrativa. Esperamos melhores dias porque fomos habituados a esse modelo.

Só conhecemos a catarse que nos transforma para o futuro.

A renovação depois do colapso. Sucessivas. Cíclicas.

Só que, neste momento da História (assim mesmo, maiúscula como ela é), cheira muito a fim de mundo.

Há meses, num workshop de storytelling, o Edson Athayde passou como trabalho de casa ver o filme Love and Monsters, na Netflix.

É um exemplo da narrativa clássica, com um herói evidente que enfrenta evidentes conflitos e, evidentemente, tem um final (mais ou menos) feliz.

A história vai assim: a humanidade foi quase dizimada por monstros gigantes criados por uma chuva química que a própria humanidade gerou.

É uma história de amor, mas essa parte serve pouco o propósito deste texto.

A ideia é dizer que sim, essa narrativa de um fim de mundo provocado pelas pessoas é tão plausível quanto as notícias que vemos todos os dias.

Catástrofes climáticas provocadas pelo aquecimento da temperatura global, extremismos nascidos em guerras tão antigas que lhes perdemos o contexto, doenças germinadas pela exploração da vida selvagem…

A Future Crunch, que é uma plataforma de pessoas com ideias inspiradoras, fez este ensaio que terminava a perguntar-nos de que lado da História queremos estar.

O desafio servia para questionar as histórias que contamos a nós mesmos. Somos os heróis sofridos a atravessar o período negro antes da catarse? Entre a pandemia de COVID-19 e a de destruição climática do mundo, as duas provocadas por nós, fica difícil alinhar com essa narrativa.

Angus Hervey via Future Crunch

“And if, in the end, it all goes as badly as we fear and we find ourselves at the end of the world, standing on the mountaintops, watching the waters rush in and the flames licking at the walls and the monuments tumbling down, who would we rather be with? The cynics who said “I told you so?” Or the people that said “You know what? We gave it everything we had, and left nothing on the table.”

É difícil aceitá-lo, mas esta arte maravilhosa do storytelling também pode ser uma ferramenta de destruição. Já o vimos antes, sempre que foi usada para instituir e consolidar ditaduras. Mas aí, a maioria dos ouvintes dessa história estavam do outro lado e sabiam-na enganadora.

O perigo é vermo-nos dentro de uma história enviesada onde os “maus” não são os outros.

Por isso, não chega perguntar de que lado da história queremos estar?

Primeiro, é preciso saber: que história andamos a contar a nós mesmos?