
Dustin Hoffman em The Graduate (1967)
“Hello darkness, my old friend”
Um filme acusado de não representar a sua geração acabou por tornar-se um testemunho da sua era. The Graduate vale pelas escolhas do realizador, Mike Nichols, desde a cinematografia à banda sonora. Mas este é mais do que um filme indispensável. É um documento social e uma reflexão pessoal sobre as angústias com que a idade adulta nos recebe.
Benjamin Braddock (Dustin Hoffman) chega ao aeroporto de Los Angeles de olhar vazio. Em piloto automático, regressa a casa. Sem ter de falar, conhecemos o seu estado de espírito. “Hello darkness, my old friend”, diz a música. E são estas as primeiras palavras de The Graduate, o filme que lançou Dustin Hoffman, legitimou Mike Nichols e abriu a música de Simon & Garfunkel às massas. E isso é muito para um só filme.
“Mrs. Robinson, you’re trying to seduce me”
Aos 21 anos, saído da licenciatura, Benjamin Braddock vê-se num beco sem saída. Não sabe o que vai fazer da vida. Só sabe que quer que ela seja “diferente”. Diferente de quê? Este jovem é o filho único de um casal rico, cujo passatempo é dar festas para os amigos. Os amigos são, claro, parte daquele mesmo universo de famílias influentes, que expressam o seu sucesso através de bens materiais.
A angústia de Benjamin está a contrastar com este pano de fundo quando é interrompida pela mulher do sócio do seu pai. “Mrs. Robinson, you’re trying to seduce me. Aren’t you?” Benjamin e Mrs. Robinson (Anne Bancroft) começam um caso, que vai distrair o desassossego do jovem – até que Benjamin conhece Elaine Robinson (Katherine Ross).
Se a primeira parte do filme é dedicada aos encontros entre Benjamin e Mrs. Robinson e às agruras das suas personagens – vazias, num mundo materialista –, a segunda metade acompanha a obsessão que o rapaz desenvolve por Elaine. Depois de um primeiro (e único) encontro, Benjamin cede às pressões de Mrs. Robinson e revela a Elaine o seu affair. Bonita e jovem, Elaine regressa logo depois a Berkeley para continuar os estudos.
E se já parecia pouco plausível a forma como Mrs. Robinson mostra a Benjamin que está disponível para ele, a segunda parte do filme tem comportamentos ainda mais estranhos. Benjamin forja um plano: vai casar com Elaine, apesar de ela ainda não saber. Parte para Berkeley, onde estuda as rotinas dela. Mas Elaine rejeita Benjamin porque, na versão da história que a mãe lhe contou, o rapaz teria violado Mrs. Robinson. Muito rapidamente e sem grandes explicações, Elaine acredita que Benjamin é inocente e rende-se. De casamento marcado com um jovem estudante de medicina, a boda é acelerada e Benjamin não chega a tempo de a impedir mas nada trava este herói acidental. Nem mesmo o depósito vazio do seu Alfa Romeo vermelho descapotável. Benjamin corre até à igreja e mesmo depois do “I do” consegue que Elaine fuja com ele. Apanham um autocarro e partem os dois – em que direcção, não se sabe.
The Graduate é baseado no livro original de Charles Webb e adaptado por Buck Henry e Calder Willingham.
Cinematografia realista
Um coro de críticas envolveu o filme desde o início, por não contextualizar a história nos Estados Unidos dos anos 1960, com a Guerra do Vietname, os movimentos de direitos humanos e a transformação cultural em marcha.
Mas nada é acidental. As inquietações sociais não têm lugar no universo posh de Benjamin. Na bolha daquele licenciado rico, só existem neuroses. É por isso que Benjamin nem percebe bem o que o senhorio do seu quarto em Berkeley quer dizer quando lhe pergunta se é um daqueles alunos agitadores.
The Graduate pode até nem falar explicitamente do contexto social mas está impregnado dele. A rebeldia de Benjamin ao querer resistir às insistências do círculo de amigos dos pais diz muito sobre o espírito contracorrente daqueles anos. Ele quer ser diferente. E até Elaine foge do casamento arranjado que a família lhe impinge.
O guião é subtil a enquadrar este contexto, sim. Mas esta cinematografia de Mike Nichols está cheia de subtexto.
Os pais de Benjamin são a força opressora de uma sociedade onde não há espaço para comportamentos disruptivos. Numa cena na piscina, nadam à volta de Benjamin (deitado numa bóia) como se fossem tubarões a caçar a presa, enquanto o convencem a convidar Elaine para sair. No aniversário de Benjamin, dão-lhe um fato de mergulhador (igual ao que está imóvel no fundo do aquário que o rapaz tem no quarto) e lançam-no à piscina, perante os amigos. Benjamin tenta explicar que não está confortável, mas Mike Nichols mostra-nos que os pais não se preocupam com isso: no ponto de vista do mergulhador, por detrás da máscara, o realizador dá-nos a perspectiva de Benjamin. Um jovem que se sente asfixiado na sua bolha.
Mrs. Robinson é diferente, como Benjamin, embora evolua para uma presença tóxica em torno do protagonista. É o que o realizador quer dizer quando, na famosa cena no quarto de hotel, enquadrou a perna de Anne Bancroft à frente de Dustin Hoffman. Benjamin está preso. Os encontros com Mrs. Robinson são sempre às escuras, com as personagens a fazerem questão de apagar qualquer fonte de luz.
Mike Nichols aproveita todos os momentos para contar o filme, mesmo onde não há palavras. Quando o jovem Braddock regressa a casa e na cena em que conhece Mrs. Robinson, são comuns os planos apertados de um Benjamin nervoso, a suar, hesitante. E a câmara segue-lhe os movimentos.
A tensão do confronto entre Benjamin e a mãe – que lhe pergunta onde passa as noites – está mais do que reflectida no facto de o jovem estar a fazer a barba e cortar-se com a lâmina quando tenta fugir à verdade.
Quando Benjamin conta a Elaine que tem um caso, a câmara foca lentamente o rosto da jovem, à medida que ela percebe quem a mulher em causa é a sua mãe.
Na cena final, no autocarro, a câmara segue colada às costas de Benjamin e treme quando o motorista acelera. E é aí que acontece um dos momentos mais reconhecidos do filme. Elaine e Benjamin sentam-se nos últimos lugares, ao centro. A câmara enquadra-os perfeitamente. Enquanto espreitam um para o outro, alternam entre sorrisos abertos e olhares carregados. As personagens acabam de perceber que fugiram do seu mundo, mas seguem sem destino. Assim como Benjamin começou, não sabe para onde ir nem o que fazer.
“A love once new has now grown old”
“The Sound of Silence” é a música que abre o filme, quando conhecemos Benjamin – angustiado e perdido. É também a música que acompanha Benjamin no final, já com Elaine, quando partem sem rumo no autocarro. The Graduate dá a volta e regressa ao seu início. “Mrs. Robinson” toca no momento em que Benjamin viaja de carro e até a correr para resgatar Elaine do casamento indesejado. Pelo meio, “April Come She Will” lança o protagonista na sua mudança de estado, onde a tristeza dá lugar à esperança.
A maioria das músicas que Simon & Garfunkel fizeram para The Graduate já era conhecida. Só “Mrs. Robinson” foi um original e, mesmo assim, foi a adaptação feita à pressa (e nunca corrigida) de uma primeira versão inspirada em Eleanor Roosevelt. A produção arriscou na escolha de músicas já lançadas. Mas a aposta compensou, até porque seria impossível imaginar The Graduate com outra banda sonora.
As canções de Simon & Garfunkel são como as legendas da narrativa. Onde não há diálogos, estas músicas falam pelas personagens. Casam perfeitamente com os planos ricos em significado. Acrescentam emoções às interpretações dos actores. E dão à história a coesão que, por vezes, vacila, além de um tom folk melancólico, de cores desmaiadas e sonhos perdidos.
Simon & Garfunkel bateram recordes. Com a banda sonora de The Graduate, estiveram várias semanas em destaque nos tops dos Estados Unidos. Tornaram-se conhecidos do grande público. E mesmo os despojos das propostas que apresentaram para o filme, foram aproveitados – já mais tarde, no álbum Bookends, de 1968.
Pela história, pela cinematografia e pela música – mas sobretudo por ser um filme onde revemos as nossas angústias da vida – The Graduate manteve-se relevante desde que estreou. Já lá vão mais de 50 anos.
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