
Leonard Cohen
Abri os olhos para desligar a música que toca como despertador.
Li a notificação. Fechei os olhos e pensei, “não”.
“Morreu Leonard Cohen”.
“Não”.
Ainda há poucas semanas, a New Yorker dizia que Leonard Cohen estava pronto para morrer. “I’ve got some work to do. Take care of business. I am ready to die. I hope it’s not too uncomfortable. That’s about it for me.”
Palavras do próprio, a propósito do lançamento do último disco (You Want it Darker) e em jeito de reflexão a olhar para trás, na vida. A sua Marianne tinha ido há alguns meses e escreveu-lhe:
“Well Marianne, it’s come to this time when we are really so old and our bodies are falling apart and I think I will follow you very soon. Know that I am so close behind you that if you stretch out your hand, I think you can reach mine. And you know that I’ve always loved you for your beauty and your wisdom, but I don’t need to say anything more about that because you know all about that. But now, I just want to wish you a very good journey. Goodbye old friend. Endless love, see you down the road.”
Conhecemos o disco e ouvimos a mesma despedida. Na faixa que dá título ao álbum, Cohen canta, naquela rouquidão arrasta: “Hineni, hineni, I’m ready, my Lord“. Hineni, no hebraico, “here I am”, em inglês.
Naquela entrevista de Outubro, à New Yorker, Cohen relatava que estava a organizar a vida. Tratar de assuntos, pôr tudo em ordem. Bastou-lhe um mês. Viu Bob Dylan ganhar o Nobel da Literatura, que muitos lhe haviam reservado. Viu ser lançado o seu último disco, em vida (deixou muito material para os próximos tempos). Viu o povo americano eleger Donald Trump como presidente. Despedidas feitas, vida organizada – “I’m ready, my Lord”.
Tudo em Cohen arrepia e a despedida não podia ser diferente.
Como também não foi diferente a despedida de David Bowie, ele que nos deu todos os sinais do que estava para vir.
Quando, em Dezembro, lançou “Lazarus“, não ouvimos. Estava lá escrito.
“Look up here, I’m in heaven
I’ve got scars that can’t be seen
(…) Oh I’ll be free
Just like that bluebird”
David Bowie preparou a própria morte, com canções que arrepiam a alma. Despediu-se quando o trabalho estava pronto. Chegou Janeiro e partiu para esse sítio de onde veio, que ninguém sabe bem qual é.
Aprendemos a lição e começámos a despedir-nos de Cohen há um mês, mas o tempo nunca chega e há tanta música por dar, tanta poesia por escrever, tanta gente por inspirar.
Bowie e Cohen não foram arrancados à vida. Como se conhecessem a Morte das intermitências de Saramago, fizeram um pacto com ela, para que os viesse buscar quando chegasse o momento.
Será só aos grandes que esse privilégio está reservado? Os maiores de todos os grandes podem fazer acordos com o divino, havendo, para decidir da data e hora finais, local também?