30 antes dos 30: Dazed and Confused

Dazed and Confused (1993)

Um Pontiac amarelo rompe ao som de “Sweet Emotion”. Dois clássicos fazem a cena de abertura de Dazed and Confused. O carro é de 1970, a faixa é dos Aerosmith. Está lançado o tom do filme que deu nome a Richard Linklater, em 1993.

Dazed and Confused bebe do entusiasmo juvenil dos muitos actores que se estrearam com esta oportunidade. Absorve essa energia e retrata-a. Inspira-se na urgência do mundo teen e traduz aquela pressa de viver.

De feições juvenis, vemos aqui Ben Affleck, Matthew McConaughey, Milla Jovovich, Parker Posey, Adam Goldberg e algumas outras caras cuja carreira no cinema foi mais breve. O mérito é de Richard Linklater e do seu casting director, Don Phillips, cujo olhar certeiro o levou, por exemplo, a conhecer o estudante de cinema McConaughey num bar, onde ficaram a conversar durante uns copos. É esse o momento em que nasce Wooderson, a personagem a que McConaughey dá vida através de um cabelo-capacete aloirado, um bigode fininho e uma tshirt branca muito justa para dentro de umas calças rosadas.

Wooderson já nem é sequer estudante deste liceu dos seventies onde a história tem início, naquele último dia de aulas, com as primeiras praxes aos futuros caloiros. Mas a personagem de McConaughey é tão cativante que rouba quase o protagonismo do filme. Richard Linklater também o sentiu, acabando por criar mais cenas para Wooderson à medida a que as filmagens foram acontecendo. E é quando McConaughey regressa ao cenário, depois da morte do seu pai, que uma conversa com o realizador dá origem à cena do discurso no campo do liceu:

“You just gotta keep livin’, man. L-I-V-I-N’.”

Os diálogos de Wooderson são curtos mas a sua intervenção é quase sempre o olhar que guia a história. A dada altura, McConaughey resume a essência do filme ao confessar o fascínio que tem pelas miúdas do liceu: “I get older, they stay the same age”.

A mensagem de Dazed and Confused é tão somente esta: a passagem do tempo. Os temas que afligem os jovens de verdes anos estão lá todos. A repressão dos adultos. As obrigações fora das paredes da escola. A necessidade de aprovação social.

O ambiente em que Dazed and Confused foi filmado (segundo entrevistas dos actores e da equipa) mostra que a sensação de fugacidade não estava só no enredo mas na realidade. O elenco fala dos laços de amizade criados nas filmagens e o próprio Linklater conta como acabou por desejar para os actores o sucesso que se quer para um filho.

Sim, a realidade contagiou a ficção. Mas Richard Linklater não podia fazer este filme de outra forma, ou não fosse ele o realizador que narra os eventos da vida. O olhar de Linklater é perito em captar os momentos que podem parecer banais para o espectador, mas que significam tudo para a personagem, da mesma forma que julgamos cada instante como o mais importante de toda a vida, quando somos adolescentes.

O mesmo entusiasmo juvenil encontra-se em Everybody Wants Some (2016), filme também de Linklater, passado na década de 1980. A história não vai além de alguns dias, os últimos antes do início da vida universitária de uma equipa de basebol. Igualmente divertida e verdadeira, esta é mais uma história sobre as angústias, os dilemas e os sonhos de uma certa idade. (Nas palavras de Ian Dury“sex and drugs and rock ‘n roll/Is all my brain and body need”.)

Não se enganem. A repetição não é enfadonha mas antes a confirmação das capacidades biográficas de Linklater. As mesmas capacidades que o realizador empregou em Before Sunrise (1995). E surpreende que este filme não tenha sido sugerido para a lista de 30 antes dos 30… Afinal, a história de Jesse (Ethan Hawke) e Céline (Julie Delpy) é um clássico indie.

Linklater sabe manobrar a simplicidade desses momentos verdadeiros, os que fazem parte de nós. Mas, naquele ano de 1993, Dazed and Confused quase não passou de um flop nas bilheteiras, para o qual também terão contribuído algumas divergências com o estúdio, a Universal Pictures.

Parece estranho o insucesso inicial de um filme com banda sonora de tão alto gabarito: de Alice Cooper e Black Sabbath, passando por ZZ Top ou Lynyrd Skynyrd, só falta mesmo o original “Dazed and Confused” dos Led Zeppelin (por falta de consentimento da banda).

Dazed and Confused foi direito para a prateleira dos filmes de culto, mas não deixa de ser curioso encontrar aqui actores que estão entre os mais requisitados de Hollywood. Quando recebeu o Oscar, por Dallas Buyers Club (2013), Matthew McConaughey não resistiu a lançar duas catchprases de Wooderson. “Alright, alright, alright.” Vinte anos depois daquele primeiro filme.

A década muda mas a lição é a mesma. A mesma que aprendemos com Dazed and Confused e com os seus hippies de cigarro no canto da boca; com os nerds em pânico por irem a uma festa; com os atletas que professam a liberdade contra a tirania do treinador; com os caloiros que fogem da praxe mas voltam cheios de esperança no olhar.

A lição é a mesma que aprendemos com o encontro entre Jesse e Céline.

A lição é a mesma que aprendemos com as voltas que a vida de Mason vai dando, em Boyhood (2014).

A lição é sempre a mesma: o tempo vai passando, num gerúndio que tem de ser desfrutado em cada momento.

Na filosofia de Woodersoon, “just keep livin’”.

Dazed and Confused (1993). Richard Linklater

Artigo publicado também em Sapo Mag

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