Encontrei o Miguel Gaspar há algumas semanas. Seguia com o seu ar sereno de sempre. O mesmo ar sereno que me deu confiança para, estagiária, não deixar de lhe fazer perguntas simples durante os dois meses em que me sentei perto de si no Público.
Lembro-me de um pormenor. A propósito de um qualquer artigo que eu estava a preparar, explicou-me que, no jazz, o improviso faz-se sobre escalas, bases a partir das quais construir. Explicou-mo de forma muito mais eloquente do que poderei alguma vez reproduzir. E é só um pormenor. Mas ouvi aquela explicação em admiração por uma pessoa tão culta e despretensiosa, capaz de tirar cinco minutos do seu dia ocupado para falar com a estagiária.
Uso as palavras do João Miguel Tavares. Porque também eu já fui uma estagiária da Nova, verdinha, a olhar para o Miguel Gaspar do outro lado da secretária com olhos cheios de admiração e esperança.
Quando não sabíamos, perguntávamos ao Miguel Gaspar. Suponho que seja esse o melhor elogio que lhe possamos fazer.
Quando entrei para o DN em 1998, acabado de sair da faculdade, o Miguel Gaspar era a referência dos estagiários, que, como se sabe, é uma espécie não particularmente considerada nas redacções. E era uma referência por uma razão muito simples: ele reunia em si um conjunto de qualidades que mais ninguém tinha à sua volta.
O Miguel era dono de uma cultura vastíssima, e falava com o mesmo à-vontade de filosofia, política, música, livros, cinema ou futebol. O Miguel era uma máquina de produzir ideias e um trabalhador incansável, daqueles que entravam às dez da manhã na redacção e nunca se sabia quando saíam. (…)
E, finalmente, o Miguel tinha a mais preciosa das qualidades: total ausência de cagança, zero por cento de peneiras, o que lhe permitia tratar da mesma forma o chefe de redacção e o tipo que tinha acabado de aterrar na sua secção vindo da Universidade Nova, verdinho, titubeante e trapalhão. São coisas que não se esquecem.
São coisas que não se esquecem.