“Siga a guerra aqui”

“Onde é a sua casa?”

“A minha casa já não existe.”

Quando era pequena, fizeram na escola uma recolha para enviar às crianças do Kosovo. Cadernos, lápis, borrachas, tudo o que usávamos para aprender.

Não fazia ideia de onde era o Kosovo.

Nem sei bem se ainda conservo esta memória com toda a verdade. Mas lembro-me de achar estranho que crianças como eu pudessem ir à escola no meio de uma guerra. E o que era uma guerra, na verdade?

Quando o Público escreveu que a guerra tinha voltado à Europa, lembrei-me do Kosovo e das crianças que precisavam de materiais para estudar. Não percebi logo o alcance da manchete, porque vivi (quase) sempre numa Europa em paz.

É estranho hoje como era estranho quando se falava na guerra no Kosovo.

Hoje, com outros olhos, vejo as imagens que os telejornais transmitem e que as redes sociais repetem sem censura. A Rússia invadiu a Ucrânia. Há um mês, os ucranianos resistem como podem, os que ficam e os que partem, destroçados por deixar o país e a família.

Bem sei que as outras guerras afectam pessoas, como nós. Mas esta guerra estalou aqui ao lado. São europeus, como nós. Não consigo deixar de ver os ucranianos, tenazes, a defender-se como podem – sozinhos.

Não é isto a solidariedade europeia. E eu, que nunca tinha visto uma guerra aqui ao lado, que sempre conheci a vida nesta Europa grande, não posso acreditar numa solidariedade europeia que deixa que alguns de nós morram sem ajuda.

Não venham com as sanções económicas para os pais que se despedem dos filhos, nas estações de comboios, sem saberem se alguma vez voltam a vê-los.

Tento fazer uma lista mental do que mais me impressiona, para manter viva a humanidade dos tempos, para resistir à apatia defensiva.

Não me sai da cabeça a ideia de alguém ser, simplesmente, vaporizado. A Rússia usou armas termobáricas que, pelos vistos, têm a capacidade de neutralizar pessoas em segundos. Pátria nenhuma as vais chorar, porque são apagadas num instante, como se nunca tivessem existido.

Não me saem da cabeça as pessoas que os jornais mostram.

Uma jornalista descobre, em direto, que o prédio onde morava foi bombardeado.

Os moradores de Odessa cobrem com sacos de areia o património da cidade.

As crianças doentes que esperam cirurgias são levadas para hospitais de outros países.

A mulher grávida que morreu, juntamente com o seu bebé.

O menino que deixou o pai em Kiev, a vender os pertences da família para ajudar os heróis.

O sobrevivente do Holocausto, que passou por vários campos de concentração para ir morrer às mãos de Putin.

A guerra é feita das histórias destas pessoas. Não é espectáculo. Por isso, por favor, não me peçam mais para seguir a guerra aqui.

Em guerra

A Europa está em guerra. Temos os nossos quintais a arder mas só percebemos isso ontem, quando um voo comercial da Malaysia Airlines (Amesterdão – Kuala Lumpur) se despenhou sobre território ucraniano. Terá sido alvo de um míssil disparado pela auto-proclamada República de Donetsk. E matou 298 pessoas.

Este era suposto ser o tema do post. Mas depois vi a capa do Correio da Manhã. Palavras como “terror”, “tragédia” e “morte” gritam na primeira página. O mais chocante é, contudo, a foto que ilustra a notícia: corpos entre destroços do avião. Na capa. Nas bancas de todo o país. (Tive de a incluir, desculpem…)

: PRIMEIRA : P01_Nacional

Vou à procura de cobertura noticiosa que desfaça o nó do estômago e, na BBC, sou alertada três vezes para os conteúdos sensíveis que estou prestes a ver no vídeo repetido por tantos meios.

O nó continua mas, pelo menos, leio um relato da história com mais seriedade. Enquanto a BBC publica algumas fotografias de destroços, o Correio da Manhã convida, a dada altura, que se clique numa imagem para abrir a fotogaleria.

O Observador está a acompanhar os desenvolvimentos com um liveblog completo e cauteloso – que cita todas as fontes e não confirma dados ainda incertos.